Por que o ensino superior não é a principal fonte de formação de profissionais de TI
Apesar dos milhares de cortes que abalaram o setor de tecnologia da informação (TI), a taxa de desemprego continua baixa. Na verdade, muitas empresas de tecnologia estão sedentas por talentos.
A questão é que faltam profissionais disponíveis para sustentar o crescimento da TI no Brasil. Há um excesso de vagas e escassez de mão de obra qualificada.
Na prática, os profissionais da área parecem não atender às expectativas dos gestores e recrutadores. A posição das corporações é sustentada por uma suposta insuficiência em relação à preparação oferecida pela academia para os desafios do mercado.
Esse cenário é comprovado na pesquisa Por que o ensino superior não é a principal fonte de formação de profissionais de TI?, realizada pela Workalove em parceria com o Instituto Semesp.
Veja os destaques da terceira etapa de uma série de cinco pesquisas inéditas, elaboradas para apoiar a tomada de decisão das instituições de ensino superior (IES). Além disso, conheça outros dados que ajudam a entender o quadro de falta de profissionais de TI no Brasil.
Boa leitura!
Gaps na percepção de qualidade
A pesquisa mostra que a maioria dos estudantes enxerga um enorme leque de oportunidades no mercado de trabalho para os profissionais de TI. Esse “grosso” também está consciente da boa remuneração no setor, entendendo que os próximos anos serão de crescimento.
Além disso, eles acreditam que o diploma é essencial, que estão sendo preparados para o mercado de trabalho e que seu curso de graduação está atualizado com as demandas de trabalho.
Entretanto, os resultados apresentados no lançamento da 13ª edição do Mapa do Ensino Superior, ocorrido no dia 20 de junho de 2023, na sede do Semesp, em São Paulo, mostram que as empresas pensam diferente.
Um total de 36,3% dos gestores de TI estão totalmente insatisfeitos com a formação na área. Do mesmo grupo, somente 32,3% acham que os profissionais de nível superior atendem os desafios do mercado.
Dentre tantos desafios no ensino superior (segurança regulatória, inclusão acadêmico-social, tecnologias emergentes, sustentabilidade da IES, internacionalização etc.), a dissociação dos currículos dos cursos de graduação com o mercado de trabalho continua a assombrar gestores educacionais Brasil afora.
Não é para menos: o abismo entre o ensino superior brasileiro e o setor produtivo constitui uma situação inconcebível ante o compromisso de formar profissionais-cidadãos dotados de excelência profissional e compromisso social.
“Devemos pensar que, no futuro, as máquinas serão responsáveis pelas respostas, e nós precisaremos ser responsáveis pelas perguntas”, ressalta Fernanda Verdolin, CEO da Workalove. “Nenhum espaço é mais adequado do que a universidade para desenvolver a capacidade de pensar o que ninguém nunca pensou sobre algo que todo mundo vê”, completa.
Mas o que explica a crise de legitimidade das universidades especificamente aos olhos das áreas de tecnologia das organizações? Continue lendo para descobrir.
A ausência das instituições
De acordo com dados do 13º Mapa do Ensino Superior, em 2021 os cursos de TI somavam 468 mil matrículas em todo o Brasil, considerando as modalidades presencial e EAD, representando apenas 5,2% do total das inscrições no país.
Esses números são ainda mais alarmantes se considerarmos que, nos últimos dez anos, o aumento na participação das matrículas nesses cursos em relação ao total foi de apenas 0,6 ponto percentual (de 4,6% das matrículas em 2011 para 5,2% em 2021).
O documento do Semesp ainda aponta que, entre 2020 e 2021, houve queda de 1,4% no total de IES que ofertam cursos na área de TI: 2,2% na rede privada. De 2.574 IES no país, 922 disponibilizam graduações dessa modalidade, apenas 35,8% do total.
O número de calouros em cursos presenciais na área de TI também caiu 18,3% no período, com decréscimo acentuado (27,3%) na rede privada. Do total de novos calouros presenciais do período, apenas 5,6% são em cursos da área.
Não por acaso, um estudo realizado pelo Google em parceria com a Associação Brasileira de Startups (Abstartups) mostrou que o Brasil terá um déficit de 530 mil profissionais de TI até 2025. A estimativa é que apenas 53 mil profissionais irão se graduar anualmente, enquanto a demanda projetada é de 800 mil novos talentos.
Bacharelados vs. certificações
Para descobrir e reter talentos, mas também para superar a escassez de profissionais, empresas brasileiras realizam capacitações por conta própria. Em 2023, Nubank, Cisco e outras companhias lançaram programas de capacitação gratuitos sobre desenvolvimento, cibersegurança e inteligência artificial.
No entanto, o movimento não é necessariamente sinal de beneficência. Trata-se de uma necessidade percebida pelas empresas. Mais da metade dos 109 respondentes (54,9%) do questionário aplicado pela Workalove afirmam que “existem candidatos, mas sem formação técnica e competências comportamentais”.
A rigidez curricular da educação tradicional ajuda a explicar o quadro. Embora 63,4% dos 418 alunos ouvidos pela pesquisa acreditem que o curso que estão fazendo está atualizado com as demandas do mercado de trabalho, 55,3% dos estudantes em fase de conclusão percebem que alguns conteúdos não foram interessantes ou relevantes para sua área de interesse.
Não é motivo de surpresa, portanto, que cerca de 40% julguem ser plausível que as certificações (Cisco, Oracle, Microsoft etc.) venham a substituir o diploma. Afinal, ainda que 67,3% dos participantes do estudo acreditem que as linguagens e ferramentas que aprendem na faculdade de TI são compatíveis com o mercado, essa opinião passa a ser mais pessimista à medida que avançam no curso, caindo para 46,4%.
O que falta para virar o jogo
Mas o que as micro certificações têm que algumas instituições de ensino superior não conseguem reproduzir?
É preciso ter em mente que muitos alunos preferem jornadas mais curtas e focadas em habilidades específicas que lhes permitam entrar no mercado de trabalho mais rapidamente.
Sendo assim, a flexibilidade de horários, a opção de conciliar estudos e trabalho e, sobretudo, a possibilidade de que os estudantes evoluam no próprio ritmo, tornam a personalização do ensino indispensável para o momento atual.
“As IES precisam mostrar aos alunos que não estão entregando só um diploma”, ressalta Fernanda Verdolin.
“O diferencial de um curso superior está na possibilidade de uma abordagem multidisciplinar dentro de um contexto aplicado a cenários do mundo real.”
Poucos perseveram até o fim da graduação
A TI é o setor onde hoje se apresentam em média os melhores salários, conforme o 13º Mapa do Ensino Superior no Brasil. Enquanto 6,1% é o índice de profissionais graduados em outras áreas que ganham mais de dez salários, 8,6% dos profissionais de TI recebem de dez a 30 salários.
Uma parcela significativa, inclusive, acaba sendo contratada mesmo sem diploma ou preparação adequada, abandonando assim os estudos, o que justifica a alta evasão dos cursos de TI.
O Brasil tem um número crescente de ingressantes nas grandes áreas de engenharia e computação, segundo os dados do MEC, chegando a mais de 580 mil ingressantes em 2021. Contudo, mais de 68% dos estudantes têm desistido antes da conclusão da graduação.
A evasão dos cursos de tecnologia é um problema multifatorial com impactos significativos na indústria — que poderia estar gerando maior desenvolvimento econômico e inclusão social. Isso porque a remuneração do setor é pelo menos 2,5 vezes maior do que a média salarial brasileira, segundo a Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom).
"Diploma" por disciplina
Novas abordagens pedagógicas, como a união entre teoria e prática, já encontraram eco em diversas instituições de ensino, como a Unisuam, a Uniasselvi e a Universidade Veiga de Almeida (UVA). A intenção é ampliar o valor da IES na trajetória dos estudantes de TI.
Em 2022, a Unisuam ganhou dois novos laboratórios para que os alunos possuam maior qualidade no ensino. A necessidade de ampliação dos espaços físicos se deu devido à expansão dos cursos, impulsionada por parcerias com companhias como AWS, Amazon, IBM e Huawei.
A partir de 2020, a direção decidiu reestruturar os cursos de TI, principalmente com o lançamento do curso de Análise e Desenvolvimentos de Sistemas em formato presencial e de forma modular (MUDE). Agora, os alunos passam por disciplinas certificadoras ao longo da formação, onde desenvolvem projetos para aplicar o que foi estudado em algo concreto.
A ideia não é abandonar a teoria, mas transportar os conteúdos estudados (sobre hardware, rede e sistemas operacionais, por exemplo) para situações que o estudante encontrará no mercado de trabalho. Daí a importância de oferecer cursos de graduação em convênio com empresas.
Fernanda Verdolin destaca um insight da pesquisa desenvolvida em conjunto com o Instituto Semesp: “A maioria dos estudantes acredita que os conhecimentos adquiridos na faculdade podem não ser aplicáveis em um curto espaço de tempo”. No entanto, a pesquisa também indica que eles não trocariam a área de TI por nenhuma outra.
Os alunos valorizam o diploma. Mas também querem avançar na carreira. A mudança que é preciso ser feita depende da colaboração entre todos os agentes do ecossistema. É o tipo de parceria onde faculdade, empresa e aluno saem ganhando.
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